O Fascínio pelos Bebês Reborn: Um Refúgio Emocional ou Alerta para a Saúde Mental?

Nos últimos anos, os chamados "bebês reborn" — bonecos hiper-realistas que imitam bebês humanos em mínimos detalhes — deixaram de ser apenas peças de coleção para ganhar um espaço peculiar no imaginário e na rotina de muitas pessoas ao redor do mundo. Com olhos vítreos, pele com textura realista, peso similar ao de um recém-nascido e até cheiro de talco infantil, esses bonecos têm gerado debates não apenas no universo artístico, mas também nos campos da psicologia e saúde mental.

O que são os bebês reborn?

Originado nos Estados Unidos nos anos 1990, o movimento “reborn” consiste na criação artesanal de bonecos com aparência ultrarrealista. Feitos à mão, eles podem custar de algumas centenas a milhares de reais, dependendo do nível de personalização. Muitos vêm com certidão de nascimento, enxoval e até nomes.

Embora inicialmente voltados a colecionadores e artistas, os bebês reborn ganharam notoriedade ao serem adotados por pessoas que os tratam como filhos — alimentando-os com mamadeiras, trocando fraldas, colocando-os para “dormir” e levando-os em carrinhos pelas ruas.

Entre afeto e necessidade

Para alguns, o reborn representa um símbolo de conforto e superação. Há relatos de mulheres que os compraram após a perda de um filho, como forma de amenizar o luto. Outras, com infertilidade, encontram nos bonecos uma maneira simbólica de viver a maternidade. Idosos em casas de repouso também se beneficiam, segundo cuidadores, da companhia emocional que o boneco oferece.

"Trata-se de um objeto transicional para algumas pessoas, que ajuda a mediar emoções muito profundas", explica a psicóloga clínica Renata Moura. "Assim como uma criança tem um cobertor favorito, um adulto pode se apegar a um reborn em momentos de extrema vulnerabilidade."

Onde mora o limite?

Contudo, o apego exagerado a esses bonecos levanta questões importantes sobre saúde mental. Quando o reborn deixa de ser um recurso simbólico e passa a substituir relações humanas reais, pode haver um sinal de alerta.

"Se a pessoa abandona vínculos sociais, evita relacionamentos ou recusa-se a aceitar perdas reais mantendo uma relação exclusiva com o boneco, isso pode indicar quadros como depressão, transtorno de luto prolongado ou até sintomas dissociativos", alerta o psiquiatra João Carlos Freitas.

Estudos ainda escassos investigam o impacto psicológico dos reborns. Uma revisão publicada na revista Current Psychiatry Reports em 2022 apontou que, embora não exista uma patologia específica associada ao uso dos bonecos, seu contexto de uso pode revelar ou reforçar fragilidades emocionais.

O papel das redes sociais

Nas redes sociais, vídeos de pessoas "cuidando" de seus reborns somam milhões de visualizações. Enquanto uns encaram com curiosidade ou ternura, outros manifestam perplexidade. Esse cenário tem alimentado uma espécie de "cultura do cuidado artificial", onde o emocional se confunde com o performático.

“Há uma glamourização do cuidado materno que às vezes mascara uma carência afetiva profunda”, afirma a socióloga Lígia Nogueira. “Mas isso também fala de um mundo em que o afeto real está em falta, e onde simulá-lo se torna uma alternativa emocionalmente viável para alguns.”

Reflexo do nosso tempo?

A febre dos bebês reborn talvez diga mais sobre a nossa sociedade do que sobre quem os compra. Em um mundo acelerado, solitário e cada vez mais digital, o vínculo com algo que remete à inocência e ao afeto incondicional — ainda que artificial — pode ser, para muitos, uma forma de sobrevivência emocional.

Mais do que julgar ou patologizar, especialistas recomendam empatia e escuta ativa. "Antes de perguntar 'por que ela trata um boneco como filho?', talvez devêssemos perguntar: 'do que ela sente falta?'", conclui a psicóloga Renata Moura.

Os bebês reborn são, ao mesmo tempo, obra de arte, ferramenta terapêutica e espelho da alma. Ao observá-los com um olhar mais atento e menos preconceituoso, podemos compreender não apenas os indivíduos que os acolhem, mas também as carências e contradições de nossa sociedade.


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